terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

A CRIAÇÃO

 Este artigo é uma tentativa de esclarecer o conteúdo de uma cosmovisão bíblica e sua importância para nossas vidas, à medida que procuramos ser obedientes às Escrituras. As idéias que constituem esta cosmovisão não se originaram comigo. Elas vieram de uma longa tradição de reflexão Cristã sobre as Escrituras e nossa perspectiva total do mundo, uma tradição enraizada nas próprias Escritu-ras. Ela teve como alguns de seus representantes mais proeminentes os Pais da Igreja Irineu e Agos-tinho, e os Reformadores Tyndale e Calvino. Esta cosmovisão escriturística mencionada é às vezes chamada de "reformacional" após a Reforma Protestante, que descobriu novamente o ensino bíblico concernente à profundidade e escopo do pe-cado e da redenção. O desejo de viver pelas Escrituras somente, antes do que pelas Escrituras ao lado da tradição, é uma marca dos Reformadores. Nós seguimos seu caminho nesta ênfase bem como em querer uma reforma progressiva, em querer ser reformados pelas Escrituras continuamente (ver Atos 17:11; Romanos 12:2), antes do que viver por tradições não examinadas. A reflexão reformacional na cosmovisão tem ocupado distintas formas à medida que tem se movido no século vinte, algo que pode ser visto especialmente na obra de líderes holandeses como Abraham Kuyper, Herman Bavinck, Herman Dooyeweerd e D. H. T. Vollenhoven. Suas contribuições a uma compreensão mais profunda e articulada da cosmovisão bíblica vieram através da teologia, filosofia e outras disciplinas acadêmicas, e especialmente através da ação cultural e social que surgiram de um profundo desejo de serem obedientes às Escrituras em todas as áreas da vida e do serviço. O termo cosmovisão [worldview] veio da língua Inglesa como uma tradução da palavra alemã Wel-tanschauung [percepção (de mundo), ponto-de-vista, concepção (de mundo), cosmovisão]. Este termo tem a vantagem de ser claramente distinto de "filosofia" (ao menos no uso alemão) e de ser menos enfadonho do que a frase "visão do mundo e da vida", que foi preferida pelos neo-Calvinistas alemães (provavelmente seguindo um uso feito popular pelo filósofo Alemão [Wilhem] Dilthey). Um sinônimo aceitável é "perspectiva de vida" ou "visão confessional". Nós podemos também falar mais vagamente sobre o conjunto dos "princípios" ou "ideais" de uma pessoa. Um marxista chamá-lo-ia de uma "ideologia"; a classificação mais prevalecente nas ciências sociais hoje provavelmente é "sistema de valores". Estes termos são menos que aceitáveis porque os pró-prios termos possuem conotações de determinismo e relativismo que revelam uma cosmovisão ina-ceitável. Para nossas finalidades, cosmovisão será definida como "a estrutura abrangente das crenças básicas de alguém sobre coisas". Façamos um exame mais minucioso dos elementos desta definição. Primeiramente, "coisas" é um termo deliberadamente vago que se refere a qualquer coisa sobre a qual seja possível ter uma crença. Eu estou tomando-o no sentido mais geral que se possa imaginar, como abrangendo o mundo, a vida humana em geral, o significado do sofrimento, o valor da educa-ção, o social, a moralidade e a importância da família. Neste sentido pode-se dizer que até Deus está incluído entre as "coisas" sobre as quais temos crenças básicas. Segundo, uma cosmovisão é uma matéria das crenças de determinada pessoa. As crenças são dife-rentes dos sentimentos ou opiniões porque elas possuem uma "reivindicação cognitiva" - isto é, uma reivindicação a algum tipo de conhecimento. Eu posso dizer, por exemplo, que eu "creio" que a educação é o caminho para a felicidade humana. Isto significa que estou afirmando algo sobre o estado das coisas, o que o caso é. Estou querendo defender aquilo em que creio com argumentos. Os sentimentos não colocam reivindicação ao conhecimento, nem podem ser argumentados. Crenças não são opiniões, tampouco hipóteses. Para ser exato, nós às vezes usamos a palavra crer com aquele tipo de sentido enfraquecido ("Eu creio que Johnny chegará esta noite novamente tarde em casa"), mas eu estou usando aqui a palavra no sentido de "credo", uma crença comprometida, algo que estou disposto não somente a argumentar, mas também a defender ou promover com o gasto de dinheiro ou a paciência em meio ao sofrimento. Por exemplo, pode ser minha crença que a liberdade de expressão seja um direito inalienável na sociedade humana, ou que ninguém possa impor a sua religião a alguma outra pessoa. Sustentar uma crença pode exigir um sacrifício de mi-nha parte, ou a tolerância ao desprezo ou abuso se ela é uma crença dita não-popular ou não-ortodoxa, que os presídios devem castigar bem como reabilitar, ou que a livre iniciativa é o flagelo de nossa sociedade. Todas estas crenças são exemplos do que entra em uma cosmovisão. Tem a ver com as convicções de uma pessoa. Terceiro, é importante notar que as cosmovisões têm a ver com crenças básicas sobre coisas. Elas têm a ver com questões fundamentais com as quais somos confrontados; elas envolvem assuntos de princípio geral. Eu posso dizer que eu tenho uma crença segura de que os Yankees venceram o World Series de 1956, seguro a ponto de estar disposto a fazer uma grande aposta sobre isto, mas este tipo de crença não é o tipo que constitui uma cosmovisão. É diferente no caso de assuntos pro-fundos morais: A violência pode alguma vez ser justa? Há normas constantes para a vida humana? Existe um motivo para o sofrimento? Nós sobrevivemos à morte? Finalmente, as crenças básicas que uma determinada pessoa sustenta sobre coisas tendem a formar uma estrutura ou padrão; elas se unem de um certo modo. Eis a razão por que os humanistas freqüentemente falam de um "sistema de valores". Todos nós reconhecemos, em algum grau pelo me-nos, que devemos ser consistentes em nossas visões, se quisermos tomá-las com seriedade. Nós não adotamos uma posição arbitrária de crenças básicas que não possuam coerência ou não pareçam consistentes. Certas crenças básicas se chocam com outras. Por exemplo, a crença no matrimônio como uma ordenança de Deus não se comporta com a idéia de divórcio fácil. Uma convicção que filmes e teatros são essencialmente "divertimentos mundanos" não é muito consoante com o ideal de uma reforma cristã das artes. Uma crença otimista no progresso histórico é difícil de se harmoni-zar com a crença na depravação do homem. Isto não é dizer que cosmovisões nunca ou sejam internamente inconsistentes - muitas são (de fato, uma inconsistência pode ser uma das coisas mais interessantes sobre uma cosmovisão) - mas conti-nua sendo verdade que a característica mais significativa da cosmovisão é sua tendência voltada para o padrão e coerência; até suas inconsistências tendem a cair em padrões claramente reconhecí-veis. Além disso, a maioria das pessoas não admite uma inconsistência em sua própria cosmovisão, mesmo quando esta é muito óbvia a muitos outros. Tem sido assumido em nossa discussão até aqui que todos possuem uma cosmovisão de algum tipo. É este o caso, na realidade? Certamente é verdade que a maioria das pessoas não possui uma respos-ta se elas forem inquiridas de qual é sua cosmovisão, e os assuntos piorariam se eles fossem inquiri-dos sobre a estrutura de suas crenças básicas sobre as coisas. Contudo, suas crenças básicas emer-gem suficientemente depressa quando eles são enfrentados com questões práticas que se levantam, assuntos políticos atuais ou convicções que se confrontam com as suas. Como eles reagem ao servi-ço militar obrigatório, por exemplo? Qual é sua resposta ao evangelismo ou à contracultura, ao pa-cifismo ou comunismo? Que palavras de condolências podem oferecer ao lado da tumba? Quem eles responsabilizam pela inflação? Qual é a visão deles sobre aborto, pena de morte, disciplina na educação de crianças, homossexualidade, segregação racial, inseminação artificial, censura de fil-mes, sexo extra-conjugal e questões desse tipo? Todos estes assuntos despertam respostas que fornecem indicações da cosmovisão de uma pessoa pela sugestão de certos padrões ("conservador" ou "progressivo", sendo muito rudes e não confiáveis os padrões que a maioria das pessoas reconhece). Em geral, conseqüentemente, todos possuem uma cosmovisão; embora inarticulada, ele ou ela pode expressá-la. Ter uma cosmovisão é simplesmente parte de ser um ser humano adulto. Qual o papel da cosmovisão em nossas vidas? A resposta a isto, creio, é que nossa cosmovisão fun-ciona como um guia para nossa vida. Uma cosmovisão, até quando ela é meio inconsciente e desar-ticulada, funciona como um compasso ou um mapa de estrada. Ela nos orienta no mundo de forma geral, dando-nos um senso do que é alto e do que é baixo, do que é certo e do que é errado na con-fusão de eventos e fenômenos que nos confrontam. Nossa cosmovisão forma, em um grau significa-tivo, o modo pelo qual avaliamos os eventos, assuntos e estruturas de nossa civilização e de nossa época. Ela nos permite "colocar" ou "situar" os vários fenômenos que estão ao nosso alcance. De fato, outros fatores têm uma função neste processo de orientação (interesse próprio psicológico ou econômico, por exemplo), mas estes outros fatores não eliminam a função orientadora da cosmovi-são de alguém; eles freqüentemente influenciam através de nossa perspectiva de vida. Uma das características exclusivas dos seres humanos é que nós não podemos fazer nada sem um tipo de orientação ou condução que uma cosmovisão dá. Nós necessitamos ser guiados porque so-mos inescapavelmente criaturas com responsabilidade, que por natureza são incapazes de sustentar opiniões puramente arbitrárias ou fazer decisões inteiramente sem princípios. Nós necessitamos de algum credo para viver por ele, algum mapa pelo qual tracemos nosso curso. A necessidade de uma perspectiva condutora é básica para a vida humana, talvez mais básica do que alimento ou sexo. Não somente nossas visões e argumentos são decididamente afetados pela nossa cosmovisão, mas também todas as decisões específicas que somos levados a fazer. Quando o relacionamento matri-monial começa a ficar áspero, o divórcio é uma opção? Quando a cobrança de impostos é injusta, você trapaceia em seus formulários de impostos? Os crimes devem ser punidos?". Você demitirá um empregado tão logo isto se torne economicamente vantajoso? Você começará a se envolver em políticas? Você desencorajará seu filho ou filha de ser tornar um artista? As decisões que você faz nestes e muitos outros assuntos são guiadas pela sua cosmovisão. As disputas sobre elas envolvem freqüentemente um conflito de perspectivas de vida básicas. Novamente, temos de admitir que pode haver inconsistência aqui: não somente podemos sustentar crenças conflitantes, mas às vezes podemos falhar em agir em harmonia com as crenças que susten-tamos. Este é um fato de nossa experiência diária que todos devemos reconhecer. Mas, isto significa que nossa cosmovisão conseqüentemente não tem o papel guiador que estamos atribuindo a ela? Não necessariamente. Um navio pode ser desviado de seu curso por uma tempestade e ainda estar se dirigindo ao seu destino. É o padrão em geral que conta, o fato que o timoneiro faz tudo que for possível para permanecer no curso. Se sua ação está fora de sintonia com suas crenças, você tende a mudar suas ações ou suas crenças. Você não pode manter sua integridade (ou sua saúde mental) por muito tempo se não fizer nenhum esforço para resolver o conflito. Esta visão da relação de nossa cosmovisão com a nossa conduta é disputada por muitos pensadores. Os marxistas, por exemplo, sustentam que o que realmente guia nosso comportamento não são nos-sas crenças, mas os interesses de classes. Muitos psicólogos olham para as cosmovisões mais como guiadas do que como guiando, como racionalizações para comportamentos que são realmente con-trolados pelas dinâmicas de nossa vida emocional. Outros psicólogos sustentam que nossas ações são basicamente condicionadas pelos estímulos físicos vindos de nosso meio. Seria tolice desconsi-derar a evidência que esses pensadores apresentam para reforçar seus pontos de vista. Na realidade, é verdade que o comportamento humano é muito complexo e inclui tais assuntos como interesses de classes, o condicionamento e a influência de desejos reprimidos. A questão é o que constitui o fator decisivo e dominante que conta para o padrão da ação humana. O modo como respondemos esta questão depende de nossa visão da natureza essencial da humanidade: isto é em si mesmo um assunto de nossa cosmovisão. Do ponto de vista cristão, devemos dizer que nossa crença é um fator decisivo em nossas vidas, embora as crenças que professamos possam estar em desacordo com as crenças que estão atualmen-te operando em nossas vidas. É um mandamento do evangelho que vivamos nossas vidas em conformidade com as crenças ensi-nadas nas Escrituras. O fato de freqüentemente falharmos em viver este mandamento, não invalida o fato de que podemos e devemos viver de acordo com nossas crenças. Qual é, então, o relacionamento da cosmovisão com as Escrituras? A resposta cristã a esta questão é: nossa cosmovisão deve ser formada e testada pelas Escrituras. Ela pode legitimamente guiar nos-sas vidas somente se ela for escriturística. Isto significa que, no assunto da cosmovisão, há um a-bismo significativo entre aqueles que aceitam estas Escrituras como sendo a Palavra de Deus e a-queles que não aceitam. Isto significa que os cristãos devem constantemente verificar suas crenças da cosmovisão à luz das Escrituras, porque se não o fizerem haverá uma poderosa inclinação a re-ceber muitas de nossas crenças, até as básicas, de uma cultura que tem sido secularizada em ritmo acelerado por gerações. Uma boa parte da finalidade deste livro é oferecer ajuda no processo de reformar nossa cosmovisão, para conformá-la mais estreitamente ao ensino das Escrituras. Como cristãos, confessamos que as Escrituras têm a autoridade de Deus, que é superior a tudo mais - acima da opinião pública, da educação, da criação de crianças, da mídia, e em resumo, acima de todas as poderosas interferências em nossa cultura pela qual a cosmovisão está constantemente sen-do formada. Contudo, uma vez que estas interferências em nossa cultura deliberadamente ignoram, e de fato usualmente rejeitam por completo a suprema autoridade das Escrituras, há considerável pressão sobre os cristãos para restringirem seu reconhecimento da autoridade das Escrituras à área da Igreja, da teologia e da moralidade pessoal - uma área que tem se tornado basicamente irrelevan-te no rumo tomado pela cultura e pela sociedade como um todo. Esta pressão, contudo, é em si mesma o fruto de uma cosmovisão secular, e deve ser resistida pelos cristãos com todos os recursos de que dispõem. Os recursos fundamentais são as próprias Escrituras. apologetica.perguntas@hotmail.com

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